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Carlos Drummond de Andrade |
Arquivo para 8 de outubro de 2007
Não se entende a completude do amanhecer, ele parece incompleto, parece que o dia não quer vir, que um sono cósmico, dominador toma conta do sol quase impedindo-o de aparecer por completo. Desconfio que a noite é mais segura de si, talvez por ser mulher, talvez pelo luar ou pelo amantes. A noite é sólida, firme, senhora de si como quem sabe que é amada. Os homens amam a noite. A noite cobre a Terra.
Sem palvras
Imagem: Chafarica Iconoclasta
Já disse inúmeras vezes que sou um amador. Não disse ainda que sou um buscador, um apanhador. Faço da minha profissão outra, algo além do que realmente tenho que fazer, algo que viva de sonho, que viva de aposta, que viva de recompensas estonteantes. Sou um poeta sem sê-lo. Uma espécie de pássaro preso, mas que não sabe voar. Não sei falar nenhum outro idioma e isso me reduz um pouco. Não muito. Me reduz desconhecer o mundo e as pessoas, surpreender-me constantemente com armadilhas tolas em que alguém como eu, minha idade, não devia cair. Caminho olhando para cima, para o firmamento pois não há nada mais belo nem puro. Insisto na pureza mesmo metralhando aqui e ali. Minhas balas são todas de festim, minha raiva é rala e passageira. Acho que vim ao mundo em busca de outra coisa, vim ao mundo em busca não propriamente desse mundo, mas um mundo sonhado, um mundo mágico que, apesar de tudo, acredito existir. Meus prazeres parecem simplórios – e talvez o sejam! – mas são prazeres e dou tanta atenção a eles quanto aos mais refinados. Não sinto muita receptividade nas pessoas, mas entendo que meu modo mais ou menos excêntrico de ser possa afastá-las. Pena.
As barreiras? Não as vejo propriamente assim. Vejo pequenos impedimentos que aparecem aqui e ali como num jogo engraçado que não parece ter a mínima lógica. Aliás, lógica é o que menos vejo em tudo. Percebo as coisas colocadas, meio jogadas assim no meio do caminho como se elas estivessem de estar ali sem saberem porque devem estar. Pessoas e coisas estão sem saberem os motivos. Pergunto-me se não é um vício esse meu de querer motivos para tudo. Sim, pode ser. Mas se não houverem motivos nem lógicas nem porquês…. de que matéria se faz o mundo? Por que esses signos nos são impostos como setas vergadas pela ventania como num mundo fantasmagórico, pós-nuclear, irreal aos nossos olhos e sentidos, injusto com tantos? Quero explicações simples, como se dá a uma criança de quatro anos, como se dá a um anjo recém-chegado e de asas curtas. Não quero deixar de lutar o bom combate nunca, gostaria apenas de entender os motivos. Preciso saber porque a terra é azul, porque Marte é vermelho e de onde se tirou a idéia que o universo é infinito se ele é curvo? Não me interessam as galáxias, prefiro acompanhar um par de patos na lagoa. Prefiro o anoitecer, a poesia simples e mãos quentes.
Ele Ele pode descer e subir ruas íngremes que não chegará a ponto algum. Estará circulando em seu mundo paralelo, numa expectativa de encontro com seres abissais e retornará sempre de mãos vazias porque o lugar que ele se encontra, não é, são vias transversas de um universo paralelo composto de espelhos e magias, suposição de um mundo de sereias plásticas (observação de um menino de três anos). O homem constata que não adianta ter três ou sessenta anos, que o delírio é sempre o mesmo e, pior, o delírio não é um verdadeiro delírio e sim a impressão deste.
Resta caminhar pelas ruas e pegar os detritos, juntar tudo que um dia possa vir a ter utilidade, tudo o que um dia possa se chamar de salvação. Mas ele não vê salvação em nada porque entrou já no rodamoinho invisível, é prisioneiro de pessoas, de sentimentos, de constatações todas equivocadas, de efemérides inventadas, de rostos que são mácaras (de vidro) de conhecidos que são estranhos. Não há retorno. Ele é viciado em ler O Castelo, de Kafka e sabe que, como lá, não chegará nunca a contato com ninguém. O mundo de esfera parece girar bem mais rápido do que ele, fazendo-o permanecer quase no mesmo lugar. Sua biblioteca é pequena, possui apenas os livros de Borges e Escher (e nesses desenhos procura reconhecer o Aleph. Não encontra).
Começa a perceber então que não encontra nada, que está prisioneiro de um mundo “normal”, mas desconhecido, de uma vida tão simples que é irrisória, patética, irreal. Aos poucos, rende-se ao que é (que não é) e aceita que o silêncio e a não ação devem ser suas práticas. Todos já foram e não apagaram as luzes azuis para deixar um clima de realidade onde não há. Talvez não seja mais desse mundo, mas isso não o incomoda, viverá em qualquer mundo, será qualquer pessoa, aceitará as sentenças ignorantes de gnomos boçais. Uma grande preguiça toma conta do seu corpo, uma vontade de dormir até o apagar do universo. Nunca se tem nada a perder.
Eu E Spinoza recuando diante da nova percepção intelectual
Published 08/10/2007 G. , Papéis esparsos Leave a CommentDebruço-me sobre palavras na vã expectativa de estar sendo claro. Logo percebo que não sou e nem poderia ser. Não é uma questão do que você escreve, mas de quem lê. Não posso desejar misturar alhos com bugalhos. Existe um leitor, muito comum, que não lê o que está escrito, lê o que quer ler segundo a sua visão de mundo. Contra isso não há palavras, não há livros, existe apenas uma má vontade, uma antipatia inicial que deturpa, cega, “reinventa” o que está dito. Contra esse movimento sou impotente e, portanto, calo-me. Já desisti há muitos anos de discutir com quem não está aberto à discussão. Ponto.
Viro-me em outra direção. Olho para mim mesmo e decepciono-me em ser tolo o bastante de achar que podia dividir opiniões e algum pequeno conhecimento. Não posso não. Não há dúvida que o blog emburrece porque ele nos aproxima de nossas concepções e fecha espaço para a crítica. Passamos a não nos criticar e ser autores de uma obra única, autoral, filosófica. Como pode ser? Como é possível que nós mesmos nos avalizemos? Será que temos estofo para isso? Não creio. Tudo o que é dito por um, sem discussão, é ditatorial. Mas devemos lembrar que no país do PT os livros de História ensinam que Mao foi um grande estadista! Pronto, tudo se explica!
Em sua Ética Demonstrada à Maneira dos Geômatras, Spinoza no diz que… “O orgulho (superbia) é o amor que se tem por si mesmo em maior conta do que seria justo“. Esta frase simples traduz tudo. Não é preciso dizer mais nada. Seria preciso comprendê-la profundamente, o que acho muito difícil olhando o geral. Mas não tem problema, guardo-a para mim. Spinoza é gentil demais ao falar. Eu usaria um outro linguajar mais próprio, mais adequado a ouvidos computadorizados e que, por isso, perderam a sensibilidade devida.
Disseram